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Apenas o velho e negro asfalto

por Gustavo Claude

Após enviar mais uma foto na frente do espelho, um jovem continuou uma conversa em seu celular:

— Ei, Luísa, tava aqui pensando. Em vez da gente ir num motel, por que não alugamos um lugar diferentão no Airbnb? Acho que pode ser legal.  

— Parece interessante. Onde você tá pensando? 

 — Lá naquele prédio alto, o Manoel Pinto da Silva. Diz que é um dos pontos mais altos da região. E tem sacada. Já pensou? 

Parece legal, mas não vão filmar a gente? 😬😬😬

— Que filmem! kkkkkkkkkk 

— Tá beleza, então. Na sexta a gente se vê, pode confirmar aí. 

Contente por ela ter aceito, o rapaz completa:

— Tudo bem, só não vai furar de novo, hein? Já tô na pilha por esse encontro.

— Pode ficar tranquilo, Luís, tô de folga no sábado, vou tá livre. Dessa vez vai!

 ***

Chegado o dia, Luís se arrumou e seguiu para a parada de ônibus. A expectativa era grande, pois ela tinha confirmado pela manhã. Após uma breve espera e uma longa viagem, ele finalmente chegou à Av. Presidente Vargas, no centro comercial de Belém. 

Caminhando pela rua de calçadas largas, já vazias devido ao horário, chegou até o famoso prédio de fachada branca e cantos arredondados; após pegar a chave na portaria, seguiu para o restaurante no térreo e aguardou. Percebendo as mãos suadas e o coração palpitando, pediu uma bebida. Ao fim da terceira long neck, sem sinal dela, pensou: 

— Filha da puta! Furou de novo, eu já devia saber! Cansei, ela que se exploda pra lá! —  Ao levantar a vista em busca de um garçom para encerrar a conta, ele vê uma jovem caminhando em sua direção —  Ela veio — pensou, abrindo um sorriso bobo. 

Com um vestido justo preto até o joelho, era a pessoa mais bonita no salão. Enquanto vários pescoços se curvavam em direção a ela, Luís pensou o quão perfeitos eram cada pedaço dessa mulher. Com um belo sorriso e olhos brilhantes, um pouco cobertos pela franja, ela se aproximou e disse:

— Desculpa o atraso, me enrolei.

O jovem sentiu seu rosto roçar de leve na pele dela durante o cumprimento e seu perfume, doce e picante, o deixou arrepiado. Meio sem jeito, perguntou: 

— Quer comer alguma coisa? 

— Não, comi antes de sair de casa. Não quer ir logo lá pra cima? —  Luísa disse, pondo o cabelo atrás da orelha.

— Então, vamos! — com um sorriso de orelha a orelha, o rapaz completou — Só vou pagar a conta.

Ainda no elevador, o casal começou a trocar beijos ardentes. Sem se importar com as câmeras, deixaram as mãos correrem pelos corpos um do outro. Ao chegar no 23º andar, em meio a sorrisos e beijos, eles entraram no apartamento, ficando impressionados. Com uma mobília elegante, toda em madeira de lei, o imóvel parecia saído de um filme. 

Após visitar os outros cômodos, seguiram até a sacada, onde podiam enxergar toda a orla cercada pelo rio. Localizado numa das poucas áreas de elevação da cidade, o prédio oferecia uma visão ímpar de Belém. Apreciando a vista, logo as carícias retornaram e, em poucos minutos, seus corpos nus estavam envoltos apenas pelo vento noturno. 

Iniciando na varanda, se entregaram um ao outro de forma voraz e, sem guardar nenhum pudor, revelaram tudo que desejavam. Imersos em prazer, seguiram pela noite até seus corpos não responderem mais. 

 ***

Luís despertou com o corpo dolorido, o perfume dela guardado na lembrança. Quando a procurou, descobriu estar só. Ainda confuso, circulou pela casa, mas não a encontrou. Ficou pensativo:

— Será que ela não gostou? Não pode ser! Foi tudo tão bom. 

Tomou um banho e se preparou para partir. Tinha até o meio-dia para sair, mas sozinho não valia mais a pena ficar. Antes de ir embora, resolveu dar uma última olhada naquela bela vista e foi até a varanda. Depois de alguns minutos respirando fundo, ao contemplar a joia urbana incrustada na floresta, percebeu uma movimentação.

Na varanda à sua direita, um garoto pareceu também observar o horizonte. Luís notou que sua blusa social abotoada até o pescoço parecia estranha. O adolescente virou devagar o rosto em direção ao jovem e o encarou por alguns segundos. Em seguida, ele montou no parapeito do prédio enquanto Luís se desesperava:

— Ei, calma aí, cara! O que cê tá fazendo? 

O rapaz não esperou a aproximação e se lançou aos céus. Desesperado, Luís correu em direção a ele sem saber o que fazer. Quando se debruçou sobre o parapeito, não enxergou nada. Sem garoto caindo, sem corpo no chão, apenas o velho e negro asfalto lá embaixo. O coração disparado, a respiração inconstante, a pessoa que ainda há pouco estava admirando a paisagem, agora questionava a própria sanidade.

Saindo apressado do apartamento, Luís tentou em vão não pensar naquela situação. Sua racionalidade foi posta à prova, mas ele não queria pensar nas consequências. Torcendo para o elevador chegar logo, andou de um lado para o outro até ouvir a campainha. Abriu a porta e, por um instante, evitou cair na escuridão. “Verifique se o elevador encontra-se neste andar”. A placa nunca fez tanto sentido. 

Encarando a escuridão, Luís sentiu o vento mudar e olhou para cima, a tempo de ver um corpo caindo em direção ao poço. Com os braços se agitando, a mulher o olhava em desespero. Mesmo que não saísse nenhum som de sua boca, ele sentiu o grito em sua alma. A súbita aparição o desequilibrou e ele caiu sentado em frente ao elevador, enquanto fechava os olhos e respirava fundo.

A luz voltou à sua vista e a porta automática do elevador se abriu; dentro, uma jovem tatuada de cabelos curtos lhe olhava surpresa:

tudo bem aí? —  Ele respondeu com a cabeça e se ergueu, mas manteve a vista em seus pés, envergonhado e confuso — O que é isso? Será que tinha alucinógeno naquela buceta? 

Ele aguardou em silêncio até o elevador chegar ao térreo. Para trazer de volta um pouco da normalidade ao seu dia, decidiu cumprimentar a sua companheira de viagem:

—  Tenha um bom di–

A frase ficou presa em sua garganta. Onde deveria estar a nuca da garota, uma massa de ossos e miolos se destacava, como se uma bigorna tivesse caído na sua cabeça, a deixando plana. Assim, com a cabeça aberta e achatada, ela seguiu pelo saguão até dobrar num corredor, enquanto Luís ficava parado no elevador. Sem mais ninguém por perto, resolveu sair do prédio apressado. A única coisa que desejava era um abraço da própria mãe. 

Atravessou a rua até a parada de ônibus. Pegou o telefone, pensando se não seria melhor pegar um Uber. Sentou sozinho e, ao mexer no celular, percebeu uma mensagem de Luísa. Contente pelas lembranças e pela distração, ele abriu de imediato.

 Poxa, Luís. Desculpa ter furado novamente. Eu juro que não foi culpa minha. Eu fui na casa da minha avó de tarde e não levei o celular. Quando comentei que ia conhecer o Manoel Pinto, ela quase pirou, disse para eu não ir, nem me deixou sair. Ela me contou sobre a irmã que se matou lá e me pediu para dormir com ela. Foi mal mesmo 😘.

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